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A Espera de Liz: Filme expõe abismo emocional feminino sob um ponto de vista intimista


Oito anos se passaram e só agora o aguardado ‘
A Espera de Liz’, do diretor e fotógrafo Bruno Torres, enfim, foi lançado no primeiro semestre/2022. Após todas as etapas e obstáculos (falta de incentivo de políticas públicas) enfrentados pela produção, o primeiro longa de Torres expõe – com roteiro um pouco confuso – o drama feminino, onde toda a angustia sofrida pela personagem principal é explorada sob um ponto de vista íntimo, em primeira pessoa. No mais, também podemos destacar a ótima fotografia que a película nos apresenta junto a um time de atores, cujo muitos dos nomes são bem rodados no circuito nacional.

Para o elenco, temos figuras renomadas: Zé Carlos MachadoMurilo GrossiSimone Iliesceu, Rosana MulhollandJuliana DrummondIngra LiberatoTulio Starling e o próprio Bruno T. – esse que também é responsável pelo roteiro. A realização deste projeto ficou sob a responsabilidade da produtora Aquarela Produções.

A trama gira entorno de uma família, aparentemente bem estruturada, porém com alguns mistérios que aos poucos vão tentando se revelar. Liz (Simone Iliesceu) e Lara (Rosanne Mulholland) são irmãs que, inicialmente, tem algumas questões que precisam serem resolvidas entre elas, mas por apresentarem perfis mais introspectivos, o silêncio vira o “protagonista” na convivência. A cena inicial abre com a festa da família para celebrar as bodas de prata dos pais, Martinelli (Zé Carlos Machado) e Diana (Ingri Liberato). Diga-se de passagem, Martinelli é um fotógrafo – escolha que, talvez, revela um pouco do alter ego do diretor – uma vez que o patriarca faz discursos poéticos em defesa da própria profissão, mesmo ofício de Bruno.

Por falar em fotografia, na minha opinião, o grande destaque vai para este quesito, que ajuda a complementar, com maestria, a narrativa dos personagens. Os cortes e “planos-sequência” vão preenchendo as lacunas deixadas – de maneira proposital – pelos figurantes. Por exemplo, há enquadramentos em que Liz expressa certas inquietações, e de acordo com que a câmera transita, já sem a personagem, o cenário que apresenta tons acinzentados, uma paleta de cor voltada para a melancolia, revelam as impressões iniciais que temos ao deparar com o ar sufocante de Liz. Por sinal, a primeira parte do filme é trabalhada sempre com tons “góticos”, representando algo próximo do luto – logo o espectador percebe que algo de muito ruim aconteceu. Nos raros momentos, onde há cores vivas é nas comemorações (bodas de prata) da família, mesmo assim, Liz e Lara são apresentadas nas mesmas nuances (sombrias), o que, rapidamente, faz com que tenhamos nossas atenções para as duas. Tais sacadas – de termos um ambiente frio, representa muito bem o estado de espírito das irmãs – foi de grande acerto por parte da montagem.

Sob o nosso olhar clínico, fica claro que o diretor tenta imprimir, com detalhes, os confrontos internos que uma mulher tem de lidar com a solidão e rejeição – seja pela ausência de pessoas próximas ou até mesmo por consequências de relações extraconjugais, e o quanto a mesma demonstra total dependência do sentimento que ela se apega. A partir dessa leitura, podemos entender toda melancolia e desespero que Liz sofre – e tais enfermos da protagonista são, aparentemente, ignorados pela família, ou se os pais sabem do sofrimento da filha, demonstram uma certa barreira para lidar com o assunto. Fazer este recorte, onde um dos lados – neste caso, o lado da Liz – representa a tristeza em um ambiente rodeado de pessoas sorridentes, me faz refletir sobre uma questão que merece uma discussão: até que ponto a saúde mental de um ser possa ser ignorado pelos demais membros da família? Mas, essa observação não é a tônica da obra. Voltando para as análises, por conta de alguns tropeços, a trama deixa subjetividades para quem está assistindo, e tais possibilidades que fantasiamos em nossas cabeças, que possam ter levado Liz chegar na situação a qual se encontra, nos deixam com diversas interrogações.

Já na segunda passagem do filme, o roteiro tem algumas derrapagens. Todo suspense gerado no início é quebrado e somos transferido para um outro plano, onde os tons mórbidos dão espaço para locações de cores quentes. É nesta parte que entra Miguel (Bruno Torres). O protagonista – pouco explorado – manteve um relacionamento com Liz. Com o que temos de fatos até aqui, acreditamos que uma relação nada saudável, com possíveis traições e que deixa algumas feridas abertas. Com a mudança brusca de cena, o que temos de primeiro impacto é a sensação de pularmos para um outro filme – onde, também, é apresentado um Miguel frustrado, só que em um ambiente mais vivo. A mensagem que temos é de uma figura (Miguel) solitária, procurando respostas. Mas quais respostas? Entendo perfeitamente quando uma história tem como objetivo deixar a liberdade para o público criar o próprio desfecho, porém aqui necessita-se que alguns dos nós sejam desatados, o que não acontece.


Quanto a atuação dos atores e atrizes, nada extraordinário, apenas ok. As cenas são lentas, e em sua maior parte são carregadas de silêncio por parte dos personagens. Como dito no início, a fotografia, os planos e enquadramentos são de extrema importância para complemento das nossas impressões a cerca do roteiro. Simone Iliesceu tem uma performance que nos convence. O seu ar mórbido transparece bem em uma Liz com cicatrizes que ainda as machucam. Murillo Grossi, na pele de Martinelli – amigo de longa data da família –, também tem lá seu momento auge, porém é curtíssimo, tornando sua aparição em uma breve participação.

'A Espera de Liz' é um filme de ótima qualidade técnica, com grandes acertos, mas que poderia revelar-se um grande trabalho do cinema nacional, rendendo, talvez, certa notoriedade a ponto de merecer uma vaga em uma pré-lista do Oscar, na categoria de 'Melhor Filme Internacional'. Porém, infelizmente, toda a grandeza que se conquista, – acredito que por uma questão de inexperiência vai se desafazendo com o passar do tempo. Mesmo assim, fica a minha indicação para que você possa conferir, vale a pena pela compreensão de certas aflições alheias e por muitas questões técnicas.


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