ELVIS: Cinebiografia vai além de um melodrama barato; lado obscuro do show business também é exposto
O diretor Barz Luhmann ficou conhecido por dirigir obras com certo teor romântico, desses blockbusters que conquistam o grande público fácil: ‘Vem Dançar Comigo’ (1992), ‘Romeo + Juliata’ (1996), ‘Moulin Rouge: O Amor em vermelho’ (2001) são alguns dos seus cartões de visita que atestam o apreço do cineasta por este tipo de gênero. E, agora, o seu grande desafio foi escrever e dirigir uma cinebiografia. Ele escolheu ninguém menos que a estrela mais conhecida da música: Elvis Presley. O filme, simplesmente intitulado ‘ELVIS’, que obteve bastante sucesso comercial, retrata a vida do "Rei do Rock" em diversas fases, onde o ponta pé inicial é o começo da carreira, envolvendo uma peça chave e extremamente importante, o enigmático e dominador Coronel Tom Parker – empresário por mais de vinte anos do "Rei" –, passando pela a dolorosa convocação para o exército, chegando ao casamento com a esposa (Priscilla Presley) e, por fim, o desfecho melancólico do músico como artista e pessoa. Toda a narrativa, além de focar na vida de Elvis, também faz alguns recortes de momentos cruciais da população americana e, também, revela os bastidores do jogo sujo que é o show business.
Para o elenco principal, temos a escalação de Austin Butler (Elvis Presley), Tom Hanks (Coronel Tom Parker), Olivia DeJonge (Priscilla Presley), Helem Thomson (Gladys Presley), Richard Roxburgh (Vernom Presley), Dacre Montgomery (Steve Blinder), Luke Bracey (Jerry Schilling). Também foi acrescentados algumas imagens reais da época em que Elvis iniciava sua carreira, e por conta disso temos a aparição de algumas figuras carimbadas da música negra americana: Little Richard, Yola, Sister Rosetta Tharpe. Os responsáveis pelo roteiro são Craig Pearce, Jeremy Doner e o próprio Buz Lurhmann. E na produção, temos o comando de Andrew Mittman e Lurhmann.
A história de Elvis (Austin) inicia a partir do momento em que o visionário e obcecado Coronel Tom Parker (T. Hanks) – um produtor, empresário e agente artístico – se ver na necessidade de encontrar uma nova galinha dos ovos de ouro. Em um rápido diálogo com a sua equipe, os seus olhos brilham ao descobrir que existe um cantor de música negra que não é um afrodescendente – aqui já revela o motivo de Elvis ter tido mais exposição que outros gênios do blues/rock daquela geração. Sim, é importante salientar que nessa época o preconceito racial nos EUA era muito evidente, e de um ponto certo de vista, considerado “normal”. O diretor conseguiu encaixar perfeitamente, como pano de fundo, este marcante período da história americana, onde existia uma certa resistência – por uma parte considerável do povo americano – a aceitação de pessoas negras no circuito musical estadunidense. A soul music era considerada marginal e seus apreciadores se limitavam a praticá-la nos submundos e empoeirados porões da vida.
Ao conseguir contratar
Elvis, Parker enxerga um grande potencial no jovem e o ver como uma importante
peça para os seus negócios. Tal escolha faz com que Elvis abra mão do seu
contrato com a gravadora, até então, a modesta Sun Recods – de Sam Phillips (Phillips foi responsável por descobrir o maior ícone do rock universal) – e
lhe permitir os primeiros passos no pequeno cenário musical. Com a saída da
antiga gravadora, o Coronel Parker abre as portas e angaria um contrato para o
jovem na respeitada e famosa RCA Records, e com isso o menino prodígio começa a se
transformar em uma grande realidade. Com o seu vocal único e sua dança que
hipnotizava as garotas, Elvis conquistava a fama e o seu merecido espaço – a
partir dali, o empresário começava a colher os seus frutos. Porém, nem tudo são
flores. Com a questão do racismo bastante latente em solo americano,
autoridades criminalizava a nova estrela do rock como um propagador da cultura
negra – como penalização, Elvis fora obrigado a servir o exército por dois
anos. Este é um acontecimento que Luhmann também faz questão de deixar
explícito no filme, por mais que não seja nenhum grande segredo, mas poucos
entendiam os reais motivos de Presley ter que abandonar a carreira
momentaneamente para se dedicar às Forças Armadas do país.
Após todo o drama, Elvis tenta reativar o seu prestígio com o público, porém, o agente já o ver em outras patamares ainda mais comercias. Como dito no início, Tom Parker enxergava o nome Elvis como uma marca, um mero produto. Tanto que, como uma forma de não ver a seu fonte de dinheiro esvaziar, ele introduz Elvis nos holofotes do cinema hollydiano, arrumando papeis para o ex-soldado em películas ao lado de grande estrelas – período este que foi muito curto. Elvis sente a necessidade de voltar às raízes e decide contratar novos produtores para ressuscitar a sua essência, algo que frustra totalmente o velho coronel. A partir disso, Parker começa a mostrar suas garras e ganância, obviamente que tudo isso só é potencializado por conta dos graves problemas financeiros que ele se ver e que precisam de soluções urgentes.
No contexto geral, o roteiro não ficou focado apenas nem uma figura central (Elvis) – como era de se esperar, outros personagens têm certa notoriedade, tanto que a estória é narrada sob o ponto de vista do seu gestor – talvez, Tom Parker seja um dos grandes destaques. A forma como que ele enxerga os negócios, o faz dele um sujeito frio e objetivo – os diálogos e como ele lida com aqueles à sua volta, chega ser um pouco repulsivo, porém, esta era uma dura e crua verdade do mundo dos negócios. Por sinal, vale destacar que o ator Tom Hanks não tem atuação brilhante, não se trata de suas melhores performances, a sua desenvoltura não alcança as expectativas – Tom está mais apático e retraído, a narração do ator se destaca mais que a própria desenvoltura.
No quesito maquiagem, o trabalho feito em Hanks merece
honrosa menção, já que esta conseguiu fazer dele um senhor tipicamente sulista,
daqueles caricatos da cidade do Texas: com as tradicionais vestimentas e, geralmente, com porte físico um pouco mais elevado - claro, excluo da minha colocação qualquer tipo de conotação pejorativa. Austin ao interpretar Elvis, também é possível que tenha faltado
com algumas características reais do cantor, mas isso deve ter sido uma questão
proposital da direção – quem já conferiu alguns escritos sobre Elvis Presley
sabe que o personagem de Austin teria muito mais a revelar, porém, ele apela
mais para um estilo bonzinho e popular: idealista, sonhador e carismático. A
caracterização dele – roupa e maquiagem – também reproduz fielmente o estilo da
época.
Outro ponto que se sobressai é o pano de fundo que abriga alguns acontecimentos. Do início da carreira de Elvis até o auge da fama, o panorama em que os personagens são ambientados é em um país totalmente tomado pelo discurso racial, onde o ápice dessa barbárie foi a execução do pensador do movimento negro Martin Luther King Jr. Também, neste mesmo período, aconteciam outros fatos que marcaram a vida dos americanos, por exemplo: a morte do presidente John Kennedy – assassinado publicamente. Todos esses fatos trágicos aconteciam diante a efervescente ascensão da black music americana e do apogeu de Elvis, ou seja, o solo norte-americano vivia um alto contraste, onde muitos lutavam para cravar o seu espaço, enquanto outros dedicavam a vida em prol de um conservadorismo recheado de desprezo pela adversidade.
Confesso que ‘Elvis’ é o típico drama que não me agrada, mas, também, preciso assumir que ela quebra algumas barreiras, evolui para um filme onde a técnica ajuda bastante a deixar o enredo mais redondo e de fácil assimilação para o espectador. A edição, design de produção e som são quesitos fundamentais para o engrandecimento do trabalho como todo. O fato também da narrativa não focar apenas em um sujeito, o que poderia transformar a imagem de Elvis, pelo menos aqui, em algo voltado para o egocentrismo, é de se louvar e que faz se diferenciar do convencional, como foi o chato Bohemian Rhpasody (2018), direcionado totalmente para a pessoa do Freddie Mercury, deixando-a, na minha opinião, caricata além do permitido. ‘ELVIS’ dura pouco mais que três horas e soube criar um clima em que não deixa o público cansado, a todo momento o roteiro ganha alternativas para sair do repetitivo e exaustivo.