Pular para o conteúdo principal

Triângulo da Tristeza: Trata-se de uma autêntica sátira à futilidade humana


O vencedor da última Palma de Ouro, no francês Cannes Lions (2022), ‘Triângulo da Tristeza’, dirigido pelo sueco Ruben Östlund, veio para tocar o dedo em algumas de nossas feridas: a necessidade de exposição nas redes sociais com objetivo de apenas pertencer ao status quo e satirizar a classe mais rica da sociedade - esta que usa da soberba para validar uma falsa superioridade diante dos menos favorecidos claro, do ponto de vista econômico –, e que em condições iguais as demais, revela-se totalmente fragilizada, são alguns dos tópicos explorados pelo diretor. Dentro de um roteiro caótico, Östlund, de forma caricata, esboça perfis que são a mais completa representação do que temos de mais fútil para os tempos modernos.

Para o cast principal foram escalados Charbie Dean (Yaya), Harris Dinckinson (Carl), Dolle De Leon (Abigail), Zlatko Buric (Dimitry), Vicki Berlin (Chief Paula), Henrik Dorsin (Joma Björkman), Sunnyi Melles (Vera), Carolina Gynning (Ludmilla) e para uma participação especial, temos Wood Harrelson (capitão). A produção é de Philippe Bober e Erick Hemmendorff. O roteiro ficou a cargo do próprio Östlund.

A película é divida em três atos: Östlund passeia, de forma cronológica, pelo momento ápice dos personagens até chegar nos períodos mais críticos – de um certo ponto de vista, chega até valorizar o verdadeiro valor humano e, ao mesmo tempo, o quanto podemos ser tão perversos ao saber tirar proveito desses mesmos valores. A trama gira entorno do casal Yaya (Charbie) e Carl (Harris), ambos são modelos e vivem de vender a imagem para transparecer uma vida de luxos. Em um dado momento, na primeira parte, esta que é concentrada em um diálogo entre os dois, é nos apresentado um velho tabu: discussões sobre o papel do homem e da mulher em uma relação, por exemplo, quem deve pagar a conta? Partindo para uma curta reflexão, às vezes penso que tal situação foi criada apenas para fortificar a mensagem do filme – que é a super valorização de tudo que o dinheiro pode comprar –, colocando os envolvidos sob uma escolha: o que vale mais em uma relação? Dinheiro, poder, sentimentos...? A resposta fica para você que vai ou conferiu o filme. O importante é que este take foi uma ótima introdução para reforçar a tese do que virá pela frente.

Na segunda parte, já entramos em uma análise social, onde personagens são explicitamente inseridos em um convívio em que a supremacia e ostentação sobressai, fazendo com que os presentes sintam-se intocáveis e que suas riquezas são como uma espécie de escudo protetor.

Carl e Yaya embarcam em um cruzeiro, desses frequentados pela a alta sociedade. O cenário perfeito para exemplificar nitidamente a posição das classes na escala social: milionários desfrutando do que o iate tem de melhor a oferecer, e os mais “inferiores” na condição de serviçais (faxineiras, camareiras, cozinheiros e operadores da parte mecânica do transporte) exercendo suas funções - muitos cortes, intencionalmente, potencializa esta contraposição. Os diálogos dos presentes são sempre baseado em valores e ostentação. Em certas passagens, a única forma que alguns, ali presentes, encontram para socializar é oferecendo algo em troca. Em uma rápida leitura, podemos concluir que existe uma carência desses mostrarem seus dotes e influência e que, por terem alcançado uma posição cercada de privilégios, merecem estar ali, usufruindo da ocasião.

Para contrastar todo capitalismo que impera na viagem, o Capitão (Wood) – um alcoólatra e, também, responsável pela tripulação – é um entusiasta do comunismo. Seus discursos são carregados de frases clichês e ideológicas, estas que servem para contra-atacar ideias cujo a tônica é a exploração e a “meritocracia” (princípios básicos do sistema capitalista). Não que o condutor seja visto, por alguns, como um herói ou consciente, muito pelo contrário, ele é apenas uma caricatura bem humorada que serve de oposição e complemento de um debate sim fim – resultando em uma polarização a qual estamos vivenciando em nosso cotidiano. O desfecho do segundo ato é a mais pura representação do caos, fazendo com que toda a elegância dê espaço para o desconforto e a nojeira, transformando os presentes em seres completamente sem controle da situação e arruinados. Após o tão aguardado jantar com o Capitão – este que ao revelar o seu prato, um simples hambúrguer com fritas, demonstra total desprezo ou pouco valoriza o momento, tão aguardado por muitos. Durante o evento, todos são pegos de surpresa por uma forte turbulência e, consequentemente, enfrentam uma péssima digestão. Problemas gástricos surgem no recinto como um efeito dominó. Permita-me um adendo, a cena tem como forte referência o clássico ‘Conta Comigo’ (1986), mais especificamente do conto em que esfomeado “Bola de Sebo” participa de um campeonato de quem come mais tortas - o resto da descrição o seu estômago deve me agradecer por encerrar por aqui.

O terceiro e último ato é a amostra da nossa instável condição humana. Esta que, sem nossos valores materiais, estamos de igual para igual em relação ao próximo ou, dependendo da conjuntura, podemos está em uma posição inferior aqueles os quais julgamos estarem níveis abaixo da nossa posição social e econômica. O Iate sofre um ataque e consequentemente vem a naufragar. Alguns que habitavam as instalações conseguem resistir e se veem isolados em uma ilha, a espera de socorro. É neste momento que a atuação de Dolle De Leon ganha destaque. Abigail (Dolle), uma simples serviçal torna-se a peça chave para a sobrevivência dos que restaram. Ela usa dos seus conhecimentos e vivência para transparecer o quão muitos, que se julgam melhores por conta do status, estão subordinados (as) aos seus comandos. Agora, todos que se encontram naquele espaço vivem uma experiência de inutilidade – exceto Abigail, todos estão sem recursos e sujeitos as piores humilhações. Mas, como estamos sujeitos a falhas, Abigail aproveita do sua aptidão para que alguns dos suas obstinações sejam atendidas – talvez, não por uma maldade e sim pela simples oportunidade de satisfazer seus prazeres.

Triângulo da Tristeza tem como ideia central retratar a nossa futilidade. Estamos passando por uma fase da nossa história em que meros caprichos baratos estão acima dos nossos reais valores. Esta obra de Östlund não tem a intenção de julgar, e sim simplificar uma mensagem que precisa ser entendida e digerida por nós, antes que certos caminhos não tenham mais volta. Sim, é nítido ao ver tanta arrogância e prepotência exposta nesta trama, e o quanto tudo isso nos ridiculariza a ponto de encerrarmos a sessão com aquela sensação de vergonha alheia. 

Particularmente, acho que a narrativa por completa derrapa em algumas decisões, que por pouco não coloca tudo a perder, por exemplo: o exagero que é depositado nos acontecimentos de desespero dentro da embarcação entre outros detalhes que pode desviar atenção do espectador. Mas, tais pontos negativos não tira a grandiosidade do trabalho. Merecidamente, Ruben Östlund, elenco e equipe de produção receberam oito minutos seguidos de aplausos em Cannes. Agora, com a maximização na cerimônia do Oscar, faz-se necessário alcançar outros patamares - assim como foi o aclamado 'Parasita' (2019), do sul-coreano Bong Joon-ho.  


Postagens mais visitadas deste blog

TRILHA COMENTADA - Contrabando

  Há quem diz que uma trilha sonora vem a calhar mais que o filme em si – eu sou um desses. É o caso da refilmagem de “Reykjavic-Rotterdan” (Islândia), só que em uma nova versão norte-americana do diretor Baltasar Kormákur, e com novo título: Contrabando. No elenco principal temos a participação de Mark Wahlberg (Planeta dos Macacos, Rock Star), Kate Beckinsale (Anjos da Noite), Bem Foster (360) e Giovanni Ribisi (Caça aos Gângsteres, Resgate do Soldado Ryan). A trama é razoável e previsível, resume-se em quadrilhas que realizam contrabando por meio de navios cargueiros. O que salva é a parte denunciante sobre o envolvimento de autoridades no esquema.  Já Clinton Shorter foi muito feliz na s ua função – Clinton foi responsável pela trilha sonora do longa. Logo no inicio o espectador escuta o conjunto de  J Roddy Waltson And The Business, da cidade de Menphis/EUA,  com a música “ Don´t Break The Needle ”, a mesma esbanja seu Blues com pitadas de Hard. Os ingleses do The

GHOST no Brasil: Confira data, local e valores dos ingressos

A banda sueca Ghost acaba de anunciar show único no Brasil . A apresentação faz parte da divulgação do álbum ‘ Impera ’ (2022) – o mesmo foi aclamado pela crítica especializada e obteve a expressiva marca ultrapassando a casa de um bilhão de views nos canais de streaming. O quinto trabalho de estúdio também rendeu bons frutos para o grupo ao conquistar prêmios importantes no Grammy e American Music Awards. Quanto aos detalhes do show, o mesmo acontecerá na cidade de São Paulo , no Espaço Unimed , no dia 21 de setembro e com ingressos a partir de R$ 290,00 . Os ingressos estarão disponíveis a partir do dia 11 de abril para clientes que usufruem o cartão de crédito Porto Bank e para o público em geral será disponibilizado no dia 13 , pelo portal de vendas da Livepass . Serviços: Data:   21/09/2023 (quinta-feira) Local:  Espaço Unimed (Rua Tagipuru, 795 - Barra Funda - São Paulo / SP) Horário do show:  21h00 Ingressos:  a partir de R$ 290

Martin Scorsese: Diretor fará a exibição do seu novo filme, 'Killers of the Flower Moon', no festival de Cannes (FRA)

Os fãs de Martin Scorsese acordaram nesta sexta-feira (31) com a notícia de que o novo filme do diretor, intitulado ‘Killers of The Flower Moon’ , será exibido no renomado Festival Internacional Cannes Lions , sediado na França. A obra não terá apenas a estreia como, também, concorrerá o prêmio mais disputado do evento, a famosa Palma de Ouro – feito este que não acorria desde 1986. Vale ressaltar que com o clássico ‘Taxi Driver’ (1976), Scorsese levou o prêmio (Palma de Ouro) máximo da edição de mesmo ano. O enredo da película será ambientado na Oklahoma dos anos vinte, período em que ocorreu uma série de assassinatos de indígenas (tribo Osage) que habitavam uma região muito rica em petróleo – tal episódio ficou conhecido como Reino do Terror. Quanto ao elenco, foi escalado um time de respeito do cenário hollywoodiano. A lista é liderada por Leonardo DiCaprio , Robert De Niro e Brendan Fraser – este último faturou a estatueta de ‘Melhor Ator’ na edição do Oscar de 2023. Lily

ENTREVISTA: Soulspell Metal Opera

Quem pensa que o metal melódico - gênero que sobreviveu em alta por quase uma década (1996 - 2005) - está morto e enterrado, talvez esteja um pouco equivocado. O estilo que trouxe opiniões de difícil aceitação por parte de extremistas está vivo e muito bem criativo, e a maior prova é a opera metal Soulspell. O Soulspell é um projeto que reúne diferentes vocalistas do Brasil e do mundo. O mentor de todo o projeto é o paulistano Heleno Vale. Heleno criou o primeiro álbum de seu projeto em 2008, intitulado de "A Legacy Of Honor" - que apresenta apenas vocalistas nacionais (Mário Linhares - Dark Avenger, Leandro Caçoílo - Ex-Eterna, Daisa Munhoz - Vandroya dentre outros grandes vocalistas e instrumentistas). Conversei com Heleno sobre seu novo trabalho, "Labyrinth Of Truths", detalhes do conceito que se passa na opera e futuros projetos que envolve o Soulspell. Recomendo que o leitor conheça mais sobre este conjunto, principalmente detalhes sobre o novo lançament

TÁR: Filme reflete questões que exploram o auge, ego e a autossabotagem de uma artista

Todd Field , relativamente novo no circuito cinematográfico, traz em sua bagagem, na condição de diretor, apenas quatro obras: ‘ Entre Quatro Paredes ’ (2001); ‘ Pecados Íntimos ’ (2006); ‘ The Creed of Violence ’ (2019); e o seu mais novo trabalho, o excelente ‘ TÁR ’ (2022). Apesar dos poucos feitos, Todd vem cravando o seu nome como um dos cineastas mais criativos e icônicos da sua geração. O quarto trabalho do californiano refere-se a um dos filmes que mais soube construir uma personagem com tanta maestria e detalhes – revelando os estágios que vão do auge ao declínio. Entre as abordagens, o roteiro de 'TÁR' também destaca um tema bastante polêmico e atual – este que tanto vem dividindo a opinião pública –, a cultura do cancelamento. E sim, é na complexa e enigmática Lydia Tár que Cate Blanchett certifica uma das melhores performances de toda a carreira. Para o elenco, temos de destaque: Cate Blanchett (Lydia Tár), Alec Baldwin (Seft), Noémle Meriant (Francesca Lentin