Pular para o conteúdo principal

TÁR: Filme reflete questões que exploram o auge, ego e a autossabotagem de uma artista


Todd Field, relativamente novo no circuito cinematográfico, traz em sua bagagem, na condição de diretor, apenas quatro obras: ‘Entre Quatro Paredes’ (2001); ‘Pecados Íntimos’ (2006); ‘The Creed of Violence’ (2019); e o seu mais novo trabalho, o excelente ‘TÁR’ (2022). Apesar dos poucos feitos, Todd vem cravando o seu nome como um dos cineastas mais criativos e icônicos da sua geração. O quarto trabalho do californiano refere-se a um dos filmes que mais soube construir uma personagem com tanta maestria e detalhes – revelando os estágios que vão do auge ao declínio. Entre as abordagens, o roteiro de 'TÁR' também destaca um tema bastante polêmico e atual – este que tanto vem dividindo a opinião pública –, a cultura do cancelamento. E sim, é na complexa e enigmática Lydia Tár que Cate Blanchett certifica uma das melhores performances de toda a carreira.

Para o elenco, temos de destaque: Cate Blanchett (Lydia Tár), Alec Baldwin (Seft), Noémle Meriant (Francesca Lentini), Julian Glover (Andris Davis), Nina Hoss (Sharon Goodnow), Sydney Lemmon (Whitney Reese). A produção ficou a cargo de Alexndra Milchan, Scot Lambert e Todd Field. Já o roteiro foi escrito pelo próprio Todd.

O enredo gira entorno da musicista e regente L. Tár (Cate) – a primeira mulher assumir a Orquestra Filarmônica de Berlim. Sim, não se ache um “idiota” se você se pegar dando um google para descobrir quem é a tal. A realidade é que Tár trata-se de uma ficção, porém, da forma com que a história dela é narrada – com tantas minuciosidades – e como que Cate dar vida ao seu papel, nos leva, por algum momento, a termos a impressão de estarmos conferindo uma cinebiografia de uma figura real e relevante da música clássica.

A película inicia com Tár cedendo uma entrevista para um importante programa de TV  – diga-se de passagem, muito realista e válido pelo fato da oportunidade servir como complemento por descrever o perfil e conquistas da mesma. Por um momento, o espectador esquece que está conferindo uma narrativa fictícia e compra completamente a ideia de está assistindo uma espécie de talk show, desses que vão a fundo na vida do(a) entrevistado(a). Em sequência, os takes voltam para a rotina de Tár: assuntos de negócios, ministrar aulas, administrar a vida pessoal são as etapas que contribuem para moldá-la.

Cada um dos acontecimentos, vão construindo a protagonista e, ao mesmo tempo, são essas circunstâncias que mostram toda a essência da Maestrina. Os demais envolvidos são apenas figuras secundárias que estão ali para sustentar e transparecer quem é Lydia Tár – em uma visão mais reflexiva, a forma com que Todd trabalha os atores é a maneira que ele encontrou de explicar ao público até onde pode ir o ego de uma estrela conhecida da música – já que aqueles que fazem parte da convivência da regente são indispensáveis para alimentar o que há de pior e melhor dentro dela. Por exemplo, o papel de Francesca – interpretada por Noémi Meriante – por sinal, esta que esteve impecável em ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ (2019) –, que é o braço direito de Tár, não ganha vida como esperamos, a expectativa que fica é que em algum momento a secretária terá o seu momento de glória – principalmente por ela ser peça chave para desvendar alguns mistérios que ficam mal esclarecidos até certo momento  e é justamente a fiel e confidente assessora que sofre com algumas condutas da chefe. Sharon, a esposa de Tár, também tem lá seus curtos momentos, a maioria deles são maximizados em acontecimentos dentro do ciclo pessoal do casal. Em uma visão panorâmica, os coadjuvantes não estão totalmente apagados, embora o pouco protagonismo, todos têm ótimas atuações e são fundamentais para a construção do enredo, cada um com a sua função específica.

Mas como dito, o script é formado todo em volta de Tár – a ideia de Todd é justamente passar todas as fases da sua atriz principal: da postura como profissional, transitando pelo autocontrole, esbarrando no ego e mediocridade até chegar ao declínio. E o mais interessante, todas as atitudes provocadas por Tár não tem como objetivo criar uma espécie de juiz de valor – não, aqui esta leitura é subjetiva e fica para o espectador.

Sobre o design de produção, também foi, cuidadosamente, pensado para casar exatamente com cada estado de espírito de Tár. Em seus momentos auge, de empoderamento, é pensado em locações que transpareça muita luz, calma e simetria. Já nas partes onde ela já não demonstra controle da situação, tudo muda, o ar é sujo, os tons dos filtros são mais cinzentos, cenários de leveza dão lugar para espaços caóticos. Da sua confortável e espaçosa casa, ela, por questões de localização da sua apresentação, se ver em um apartamento apertado e com uma vizinhança a qual ela jamais pensaria em conviver. Há passagens neste rápido convívio em que ela precisa interferir e, consequentemente, ver o seu ego inflado e totalmente violentado.

Outro ponto que achei bastante legítimo exaltar, foi como o diretor usou a questão das tecnologias na vida dos famosos. Tár vive um certo dilema que envolve uma de suas ex-integrantes da orquestra. Aparentemente, na visão dela, a possível polêmica não é nada preocupante, até o ponto em que o caso ganha notoriedade nas plataformas de mídias digitais e na imprensa. Com isso ela se ver obrigada a ter que decidir por expor sua vida íntima em uma tentativa de defesa da carreira ou ocultar e ser crucificada pela imprensa e fãs sem direito a defesa, resultando em o  que podemos chamar de "cancelamento".

Em resumo, ‘TÁR' traz uma narrativa que explora a condição de uma artista em diferentes posições, em que o pessoal e profissional é esmiuçado com uma certa delicadeza, expondo os pontos fortes e fracos de um ser humano. Ás vezes, por estarmos na condição de fã/seguidor de uma determinada figura pública, jamais teríamos o poder de fazer uma leitura crítica apenas com o que é nos passado ou daquilo que idealizamos em nossas mentes. E Cate Blanchett imprimiu com extrema qualidade todas essas camadas em uma única pessoa. Por mais que desaprovamos muitos dos atos da sua personagem, ainda sim, temos a chance de não colocá-la no papel de vilã – podemos terminar a sessão com um sentimento mais de compaixão e perdão do que incriminatório. O desfecho que Lydia ganha é o caminho mais justo e honesto que se espera após todo o desenrolar da trama.

Já deixo aqui registrado que este longa é um dos meus favoritos ao prêmio de 'Melhor Filme' do Oscar. Cate também figura a lista na categoria de Melhor Atriz. Até o momento, ainda não pude conferir todos relacionados, porém, por ora, dos que eu vi, a atriz é a candidata mais forte para levar a estatueta.  


Postagens mais visitadas deste blog

TRILHA COMENTADA - Contrabando

  Há quem diz que uma trilha sonora vem a calhar mais que o filme em si – eu sou um desses. É o caso da refilmagem de “Reykjavic-Rotterdan” (Islândia), só que em uma nova versão norte-americana do diretor Baltasar Kormákur, e com novo título: Contrabando. No elenco principal temos a participação de Mark Wahlberg (Planeta dos Macacos, Rock Star), Kate Beckinsale (Anjos da Noite), Bem Foster (360) e Giovanni Ribisi (Caça aos Gângsteres, Resgate do Soldado Ryan). A trama é razoável e previsível, resume-se em quadrilhas que realizam contrabando por meio de navios cargueiros. O que salva é a parte denunciante sobre o envolvimento de autoridades no esquema.  Já Clinton Shorter foi muito feliz na s ua função – Clinton foi responsável pela trilha sonora do longa. Logo no inicio o espectador escuta o conjunto de  J Roddy Waltson And The Business, da cidade de Menphis/EUA,  com a música “ Don´t Break The Needle ”, a mesma esbanja seu Blues com pitadas de Hard. Os ingleses do The

GHOST no Brasil: Confira data, local e valores dos ingressos

A banda sueca Ghost acaba de anunciar show único no Brasil . A apresentação faz parte da divulgação do álbum ‘ Impera ’ (2022) – o mesmo foi aclamado pela crítica especializada e obteve a expressiva marca ultrapassando a casa de um bilhão de views nos canais de streaming. O quinto trabalho de estúdio também rendeu bons frutos para o grupo ao conquistar prêmios importantes no Grammy e American Music Awards. Quanto aos detalhes do show, o mesmo acontecerá na cidade de São Paulo , no Espaço Unimed , no dia 21 de setembro e com ingressos a partir de R$ 290,00 . Os ingressos estarão disponíveis a partir do dia 11 de abril para clientes que usufruem o cartão de crédito Porto Bank e para o público em geral será disponibilizado no dia 13 , pelo portal de vendas da Livepass . Serviços: Data:   21/09/2023 (quinta-feira) Local:  Espaço Unimed (Rua Tagipuru, 795 - Barra Funda - São Paulo / SP) Horário do show:  21h00 Ingressos:  a partir de R$ 290

Martin Scorsese: Diretor fará a exibição do seu novo filme, 'Killers of the Flower Moon', no festival de Cannes (FRA)

Os fãs de Martin Scorsese acordaram nesta sexta-feira (31) com a notícia de que o novo filme do diretor, intitulado ‘Killers of The Flower Moon’ , será exibido no renomado Festival Internacional Cannes Lions , sediado na França. A obra não terá apenas a estreia como, também, concorrerá o prêmio mais disputado do evento, a famosa Palma de Ouro – feito este que não acorria desde 1986. Vale ressaltar que com o clássico ‘Taxi Driver’ (1976), Scorsese levou o prêmio (Palma de Ouro) máximo da edição de mesmo ano. O enredo da película será ambientado na Oklahoma dos anos vinte, período em que ocorreu uma série de assassinatos de indígenas (tribo Osage) que habitavam uma região muito rica em petróleo – tal episódio ficou conhecido como Reino do Terror. Quanto ao elenco, foi escalado um time de respeito do cenário hollywoodiano. A lista é liderada por Leonardo DiCaprio , Robert De Niro e Brendan Fraser – este último faturou a estatueta de ‘Melhor Ator’ na edição do Oscar de 2023. Lily

ENTREVISTA: Soulspell Metal Opera

Quem pensa que o metal melódico - gênero que sobreviveu em alta por quase uma década (1996 - 2005) - está morto e enterrado, talvez esteja um pouco equivocado. O estilo que trouxe opiniões de difícil aceitação por parte de extremistas está vivo e muito bem criativo, e a maior prova é a opera metal Soulspell. O Soulspell é um projeto que reúne diferentes vocalistas do Brasil e do mundo. O mentor de todo o projeto é o paulistano Heleno Vale. Heleno criou o primeiro álbum de seu projeto em 2008, intitulado de "A Legacy Of Honor" - que apresenta apenas vocalistas nacionais (Mário Linhares - Dark Avenger, Leandro Caçoílo - Ex-Eterna, Daisa Munhoz - Vandroya dentre outros grandes vocalistas e instrumentistas). Conversei com Heleno sobre seu novo trabalho, "Labyrinth Of Truths", detalhes do conceito que se passa na opera e futuros projetos que envolve o Soulspell. Recomendo que o leitor conheça mais sobre este conjunto, principalmente detalhes sobre o novo lançament

Triângulo da Tristeza: Trata-se de uma autêntica sátira à futilidade humana

O vencedor da última Palma de Ouro , no francês  Cannes Lions (2022), ‘ Triângulo da Tristeza ’, dirigido pelo sueco Ruben Östlund , veio para tocar o dedo em algumas de nossas feridas: a necessidade de exposição nas redes sociais com objetivo de apenas pertencer ao status quo e satirizar a classe mais rica da sociedade - esta que usa da soberba para validar uma falsa superioridade diante dos menos favorecidos  – claro, do ponto de vista econômico –,  e que em condições iguais as demais, revela-se totalmente fragilizada, são alguns dos tópicos explorados pelo diretor. Dentro de um roteiro caótico, Östlund, de forma caricata, esboça perfis que são a mais completa representação do que temos de mais fútil para os tempos modernos. Para o cast principal foram escalados Charbie Dean (Yaya), Harris Dinckinson (Carl), Dolle De Leon (Abigail), Zlatko Buric (Dimitry), Vicki Berlin (Chief Paula), Henrik Dorsin (Joma Björkman), Sunnyi Melles (Vera), Carolina Gynning (Ludmilla) e para uma p