É quase unânime a nossa preferência por filmes que são produzidos entre o mercado
norte-americano e o brasileiro – ok, normal até aqui. É natural o apreço por obras que
fazem parte da cultura nacional e, obviamente, pelo circuito
dominador, que neste caso é o cinema hollywoodiano. Porém, vejo cada vez mais a
necessidade de consumirmos produtos culturais que quebram essa hegemonia para
que possamos criar um olhar clínico de outras realidades, até mesmo para
imprimirmos opiniões mais sólidas.
E você que está lendo estas palavras e queira dar o primeiro passo, uma das minhas indicações é o longa intitulado O Truque da Galinha (2021). O mesmo é de origem egipcía em parceria com outros países: Holanda, Grécia e França. A direção ficou por conta do jovem Omar El Zohairy (Egito). Já o roteiro é dividido entre o próprio El Zohairy e Ahmed Amer. Para o elenco foram escalados os seguintes atores e atrizes: Samy Bassouny, Mohamed Abd El Hady, Fady Mina Fawzy, Demyana Nassar, Abo Sefen Nabil Wesa entre outros.
O Truque da
Galinha - que faturou o prêmio Grand Prix no Festival de Cannes, edição de 2021
- é sobre o cotidiano de uma família de extrema pobreza. Durante uma
apresentação de mágica na festa de aniversário de um dos filhos, a figura
patriarcal (Sammy Bassouny) é transformada em uma galinha. A partir daí temos a
narrativa sobre as dificuldades que uma mãe (Demyana Nassar) passa para manter
e sustentar os filhos. A personagem de Demyana consegue passar com maestria o
drama e humilhação de uma mulher “solteira” e com contas a pagar, essas que
nunca fecham, obrigando-a a tomar medidas mais drásticas. Chega ser penoso ter
que assistir algumas passagens da estória, ou seja, todo absurdo e humor que
temos no início da trama, logo é convertido em um choque de vivência do nosso cotidiano, esta em que muitas mulheres são condicionadas à submissão.
Ainda sobre a
mensagem do diretor, por curtos períodos é nos apresentado sociedades com grande contraste - de um lado a obscuridade e escassez do oriente e do outro as belezas materialista do ocidente. O cenário em que os personagens são
ambientados é dantesco e hostil. Para reforçar esse submundo, a película ganha
tons sujos e, em alguns momentos, acinzentados. As únicas partes onde é
possível ver cores mais vivas, de pessoas felizes e que ostentam as riquezas de
um país capitalista, é na pequena e sucateada TV da família, uma visão clara de
onde o mundo “perfeito” só é possível ser visto por meio de um aparelho, bem
distante de uma realidade precária. Há, também, cenas que explora a luxuosidade nos recintos de supeiores, mas ainda sim, fica explícito que aquele mundo, mesmo sendo presenciado, está bem distante dos personagens principais.
Omar El Zohairy
foi muito assertivo e seguro ao construir um roteiro calcado no drama, com dosagens de uma fábula e pitadas sutis de humor com o objetivo de retratar o lado mais sádico da
vida. Por meio de imagens indigestas, o diretor consegue captar a nossa atenção
e nos levar, por alguns momentos, para uma linha de reflexão sobre a injustiça,
a falta de caráter e, por que não, colocar certos valores em xeque? Não foi à toa
que O Truque da Galinha foi aclamado em um dos mais respeitados festivais de
cinema do mundo, como já citado, o francês Cannes Lions.